De Fausto Wolff, originalmente publicado no JB em 2007. Dei “Ctrl + C / Ctrl + V” total porque gostei!
Somos quatro, cinco (às vezes seis) amigos – seis senhores gordos e sorridentes – que às sextas-feiras se reúnem para (de um modo público e secreto) demonstrar que continuamos profundamente humanos.
Damos uma chance à humanidade às sextas-feiras assim como os antigos burgueses davam uma chance a Deus aos domingos.
Vitelones, emigrantes, tropicais fomos todos crianças pobres e recebemos muitas porradas na alma ou na psique borboleta; nas esquinas sombrias do inconsciente e na vergonha.
Está na cara. Mas é claro que essas bofetadas não foram recebidas em vão; Secretamente, sabíamos que sofríamos por um ideal mais alto chamado liberdade.
Não só para nós (é óbvio), mas para todos aqueles que, como nós, tiveram de brigar pelos frutos da árvore da vida.
Hoje somos quatro, cinco ou seis senhores gordos e bem vestidos.
Conquistamos a liberdade e – naturalmente – nos tornamos prisioneiros dela.
Essa liberdade (irmã da paz, moça sem língua) nos oprime e nos sufoca, pois, com medo de perdê-la, deixamos de ser livres.
Evidentemente, essas certezas secretas nós não revelamos aos outros quatro ou cinco, pois nós somos intelectuais.
Votamos na esquerda, embora nos asssegurem que ela não existe mais; tratamos bem os nossos subalternos e – aparentemente – somos até pessoas queridas na comunidade.
Somos capazes de chorar vendo um filme no qual um anarquista esfomeado apanha da polícia por querer defender os explorados que acabarão votando na direita.
Choramos ao ver num filme – prisioneiro de um tempo de ficção – o menino filhodaputa que quer se suicidar porque sua mãe morreu de fome.
À noite, de porre, entre sonhos e roncos prometemos adotar o menino, que vende chicletes na esquina.
Mas, pela manhã, pessoas ocupadas que somos, esquecemos tudo ou fingimos que esquecemos.
Temos que preservar a nossa liberdade e o tempo real é muito mais duro que aquele do romance.
Somos quatro, cinco, seis amigos. Sabemos tudo sobre Brecht, Mayakovsky, Marx. E torcemos por Fidel.
Por isso, temos dezesseis, estourando dezessete, dezoito anos.
Mas nossos filhos sisudos já passaram dos cinqüenta e acham que a arte pode ser parida sem dor.
Não pensem que não fazemos planos. Fazemos sim. Um dia vamos alugar um ônibus e partir sem destino.
Com nossas banhas, nossos reumatismos e nossas caras de palhaço que vamos puxando por uma corda.
Enlouqueceremos as mulheres!
Esta semana não será possível alugar o ônibus e partir, pois há muitas coisas importantes a serem feitas.
Em parte, somos responsáveis por uma realidade de superfície que nada tem a ver com a vida, mas que corta rente aos ossos.
Nós, porém, fingimos que não é conosco Assim como fingimos não perceber a presença da moça pálida que nos faz companhia às sextas-feiras e cujo nome não ouso revelar.
A liberdade é uma carcereira terrível!
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