FREVO DESEMBESTADO!

Nesta mesma época do ano passado vinha fazendo uma série de postagens sobre o carnaval.
Em 2008, ainda não entrei no clima “pesadamente” por assim dizer.
Avalio como fatores responsáveis por isto o ritmo de estudos e esta entrada no internato. Tenho buscado colocar muita coisa em dia e isto tem consumido bem o meu tempo.

Pois bem. Segue em anexo um texto do Prof. Luiz Gonzaga sobre o frevo. Grande rubro-negro e folião. E bom também com as palavras.

Bom carnaval pra todo mundo!

FREVO DESEMBESTADO!

Caros foliões, músicos, compositores e carnavalescos, há mais de 100 anos que uma cidade veste a indumentária da alegria. E isso se dá justo em seu momento mais apaixonante: o Carnaval. No dia nove de fevereiro de 1907, uma corruptela do verbo ferver – “O Frevo” – surge pela vez primeira em um jornal da cidade, o Jornal Pequeno. O termo tornar-se-ia sinônimo do Recife e a faria mundialmente conhecida.

Embora o Frevo tenha muitos aninhos a mais, o estabelecimento da data da sua criação não deixa de ser interessante. Mesmo que a questionemos (pois se o Frevo aparece em um jornal, é porque já existia nas ruas), não podemos deixar de comemorá-la. Cabe a nós a tarefa de permitir que, daqui a mais 100 anos, nossos netos possam comemorar os 200 anos do Frevo.

A longevidade do Frevo, enquanto fenômeno de massas, depende de múltiplos fatores. Trago à baila um deles, tema polêmico e que desagrada a alguns músicos e maestros, mas que tem de ser encarado de frente. Faço isso por amor ao nosso grandioso Carnaval e por ser Folião e Passista – esse último na medida do possível, logicamente.

Trata-se de questão aparentemente menor e que não está despertando o necessário interesse dos estudiosos: o andamento melódico do Frevo, principalmente do Frevo de Rua e Canção, que acelerou-se de forma perigosa. Infelizmente, até no Frevo de Bloco a coisa chegou, existindo alguns deles sendo executados como Frevo de Rua. Na verdade, o Frevo desembestou-se! Alguns atribuem o fato à pressa do mundo moderno: “tudo se apressou”, o que não deixa de ser parcialmente verdadeiro. Outros defendem esse fenômeno com o argumento de que o Frevo precisava e precisa modernizar-se. Mas será que tanta pressa é benéfica ao Frevo? Será que, daqui para frente, modernizar significa apressá-lo ainda mais? Para que, por quê? O andamento mais rápido do Frevo – o que pode ser entendido por alguns como modernização – já foi realizado por gigantes como Duda, Carlos Fernando, Michiles, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Elba Ramalho, Bubuska, além dos baianos Gil, Caetano, Morais Moreira e Gal Costa. Para que correr mais do que eles? Será que tal “modernização” não pode se dá nos arranjos, nos acordes, nas improvisações, nos efeitos especiais, ou em outros tantos aspectos musicais como estão fazendo, por exemplo, Silvério Pessoa em “Micróbio no Frevo” e no belíssimo “Balanço do Frevo” de Braz Marques e Jackson do Pandeiro. Ou ainda no “O Recife é a Cara do Seu Carnaval”, do Bubuska, no “Lágrimas de Folião” com o Spok e nos muitos Frevos reinventados por Antônio Nóbrega.

O Frevo, música ligeira e difícil por natureza, está cada vez mais difícil de ser executado. Mesmo que virtuosos instrumentistas, no afã de mostrarem suas habilidades, consigam fazê-lo, a musicalidade sofre, pois se elimina a malícia, os breques, a sutileza musical do ritmo. Como esclarece Guerra Peixe “o dinamismo rítmico do Frevo (onde se nota a presença da síncope), não está na velocidade, mas na expressão melódica (tensão e afrouxamento) e na orquestração apropriada à melodia”. Além do veloz andamento melódico, incorporou-se, graças à tecnologia, a elevação do som a níveis insuportáveis, o que gera, por vezes, distorções desagradabilíssimas. Quem brincou bem junto a um trio, sabe muito bem do que estou falando. Até nos salões, não se consegue ouvir com nitidez um comentário de um amigo, ou uma declaração amorosa carnavalesca.

No desesperado andamento melódico do Frevo, há três situações diferentes. A primeira é a das orquestras que se apresentam em estúdios. Em geral, orquestras de elevado nível, cujos músicos podem ser comparados aos nossos “ronaldinhos”, “cacás” e “robinhos”, o que, somado à tecnologia, fazem com que a pressa se torne, aparentemente, menos ofensiva aos nossos ouvidos. Em segundo lugar, as orquestras de palco, às quais podemos dividi-las em vários sub-grupos, desde o citado acima, até orquestras improvisadas de última hora, por vezes de péssima qualidade. Portanto, a pressa será tanto mais maléfica, quanto menor for a qualificação da orquestra. Ressalte-se que, ainda aqui, a tecnologia pode promover pequenos milagres.

Porém, o problema maior ocorre com as orquestras de rua, aquelas que fazem o verdadeiro Carnaval de Pernambuco, já que o Frevo nasceu na e para a rua. Na sua grande maioria, são orquestras pequenas, de parcos recursos financeiros e musicais e que, infelizmente, tentam acompanhar o modismo de se tocar um “Último Dia”, um “Corisco”, um “Relembrando o Norte” ou mesmo um “Cabelo de Fogo” – para citar apenas alguns exemplos – mais rápido que um “heavy metal”. É aí que o Frevo joga a toalha. Alguns músicos amigos, grandes instrumentistas, me confidenciaram que estão “comendo” notas até nos palcos. Imaginem, então, o que deve estar sendo “devorado” nas ruas. Após quatro Frevos, os músicos de rua estão com a língua de fora. Já para os passistas, embora também seja desgastante, eles conseguem enrolar com mais facilidade. Não comem passos, mas os acomodam para não sofrerem tanto, já que, inclusive, executam poucos e quase sempre os mesmos passos.

Sim! A coisa reverberou, logicamente, na dança. O Passo, oriundo da capoeira, portanto cheio de ginga e de improvisos, vai perdendo suas características. Os novos passistas-bailarinos teimam em demonstrar que o ritmo não é só frenético: é elétrico e, para eles, quanto mais rápido dançarem melhores passistas serão. A maioria dos passistas profissionais está dançando quase que da mesma forma. Se colocarmos dez Frevos diferentes para serem dançados, cada passista os dançará praticamente com os mesmos passos. Sem as “paradinhas”, sem a malícia, sem o improviso, sem a leveza, que ainda podem ser observados na dança de foliões-passistas de rua mais antigos, espécie em extinção. Infelizmente, este é mais um elemento desagregador, porque inibidor de foliões da terra e, principalmente, de turistas, aos quais devemos dizer que qualquer folião pode “cair no Passo”, sem ter que se preocupar com os “atletas olímpicos” dos palcos. Palco que, inclusive, confere artificialidade à dança, já que a retira do seu habitat: a rua. Fique claro que não estamos falando da sua estilização, trajes, cores, das mudanças da Sombrinha – nosso maior símbolo – nem da sistematização e criação de novos passos. Estas são inovações que surgiram para embelezar a coreografia.

A rapidez do Frevo e do Passo ainda não os descaracterizaram completamente, mas até quando resistirão?

Viva os 101 Anos de Frevo. Parabéns para todos nós! Mas, para que se comemore os seus duzentos, trezentos…anos, muito temos a fazer agora.

Recife, 19 de janeiro de 2008

Luiz Gonzaga de Castro
Folião e Compositor Pernambucano
Diretor de Um Bloco Em Poesia

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