Atualização (06/09/08) – Postagem “Morre Fausto Wolff”
Deixo para vocês um texto do, disparado, meu escritor favorito. Quem me conhece um pouco mais sabe o quanto já falei do velho lobo. O conheci através da leitura sistemática que fazia do Pasquim21. Que, aliás, tive a oportunidade de ter todas as edições de uma curta vida de cento e poucas edições. Todas elas estão muito bem guardadas. Não faz tanto tempo assim, mas foi uma leitura que contribuiu sobremaneira com a minha formação como militante.

Atualmente o velho Fausto escreve para o JB do Rio.
(Iria disponibilizar para link, o sitio do Fausto, mas agora tá dando erro. Deixo a indicação para uma próxima vez)

Abraços. E boa leitura!
PS: Estou em final de período na Universidade, daí a pouca dedicação à estruturação de postagens mais elaboradas. Assim que entrar de férias, dedico um pouco mais do meu tempo.

imagem copiada do ótimo http://www.fazendomedia.com

Os mortos anônimos

Enquanto Cabral discutia com Joban sobre a possibilidade de tropas federais policiarem o Rio permanentemente, recebi a última carta de leitor do dia. Massageou o meu ego (por ordem médica, não sai de casa nem recebe visitas), dizendo que minha coluna lhe dá a sensação de que alguém está fazendo alguma coisa. Pediu que escondesse sua identidade e endereço e que se isso fosse ferir os meus princípios, não publicasse nada. Como o leitor me mandou o número de seu telefone, não tive dificuldades em descobrir que ele existe mesmo.

Ele mora com a companheira num dos muitos acessos para a favela ###, cujo nome não publico, pois o leitor correria risco de vida. Há muitos furos de balas nas paredes de sua casa e, quando é dia de tiroteio, o casal dorme no chão do quarto dos fundos. Eles sabem de antemão o que vai acontecer porque, minutos antes, os bandidos se exibem com motos e carros roubados. Os garotos que são seguranças param na última barreira de trilhos verticais antes do asfalto. É quando chega o chefe da vez, sempre com grossos colares e pulseiras de ouro. A guerra começa assim que um olheiro informa ao chefe a rua pela qual os policiais estão subindo.

Os moradores têm medo dos bandidos, mas têm mais medo da polícia, que invade casas e barraco a qualquer hora do dia, dando tiros a esmo. Os bandidos também pouco se importam se matam uma pessoa inocente que nada tem a ver com esse ritual de confronto. Eis o que dizem os moradores: “A polícia não quer acabar com os bandidos porque também lucra com o tráfico”.

Duas semanas atrás, numa sexta-feira, o caveirão teria aparecido na favela para receber o “seu” e não atrapalhar o baile funk. Deram alguns tiros para o ar, a fim de mostrar serviço, se exibir e amedrontar os moradores, e foram embora. Poucos minutos depois chegaram os ônibus lotados de passageiros de outros morros. Alguns mais graduados receberam drogas, a título promocional.

Segundo dizem, os ônibus são cedidos em troca de favores sexuais de algumas mulheres para os donos das frotas. A polícia, por sua vez, não inibe sua subida e assim colabora com a capitalização do tráfico, a compra de mais cocaína, maconha e armas, naturalmente. A coisa piora nas operações maiores da Força Nacional. Quando isso acontece, basta ver a expressão nos rostos dos adultos e, principalmente, das crianças, para entender o que é terror.

O resultado disso tudo – diz o leitor – é que o tráfico está onde sempre esteve. A presença da Força Nacional fez com que os bandidos acalmassem um pouco, mas continuam tendo, como sempre, total controle sobre o território. Nos acessos para o morro ficam, de dia, os soldados da Força Nacional e, à noite, os da Polícia Militar, os irmãos pobres.

Revistas ocorrem de vez em quando, mas há sempre um soldado para informar antecipadamente os bandidos, e as operações geralmente não têm sucesso. Sucesso têm as balas perdidas. A verdade é que existem tantos acessos não vigiados que quem quer levar armas ou drogas para dentro da favela jamais será incomodado.

Diz o meu leitor que, no penúltimo sábado, os policiais desconfiaram de um motoqueiro que podia ou não estar transportando muamba. Ele resolveu fazer o que todo mundo faz quando é chamado pela polícia: fugiu. O caveirão desceu com os soldados atirando a esmo. Quando o carro blindado teve de parar na barreira para deslocar o trilho que impede o trânsito, o motoqueiro, inocente ou culpado, conseguiu escapar. Quem não escapou foi uma dona-de-casa, dona Sandra, que abriu a porta da sua moradia (Rua Canitar, 585, em Inhaúma, e estou colocando o endereço com a permissão do leitor) no momento errado e recebeu um tiro de fuzil no peito.

Não, leitor, não saiu nenhuma nota na imprensa, o que reforça a sensação de que ninguém liga para quem mora no morro. Quando acontece um acidente aéreo, temos a oportunidade de ver o descaso para com o ser humano. Este descaso está presente nas favelas do Rio diariamente, onde se produzem cadáveres anônimos que nem entram nas estatísticas oficiais.

Especificamente, a polícia matou dona Sandra. Continuou a perseguir a moto, mas foi parada por uma parede de concreto atrás da qual estavam os bandidos, que revidaram com suas armas. O caveirão, com os vidros da frente estilhaçados, teve de dar marcha à ré, ocasião em que foi obrigado a levar dona Sandra, que sangrava muito, para o hospital. Ela morreu no mesmo dia.

O leitor termina sua carta dizendo que não tem nenhuma simpatia por bandidos, mas que vê o soldado da polícia e o soldado do tráfico como peças de um mesmo jogo de xadrez: os chefes de ambos os lados, egos inflados, lutando pelo poder.

Acabei de ler a carta do leitor ### e fiquei com medo de pensar no futuro.

Escreva para o Fausto: [email protected]

5 comentários

  1. Rio Grande do Sul chora a morte de seu escritor mais criativo, Fausto Wolff, nem todos sabem, mas ele foi um dos primeiros escritores a conseguir entrevistar no Líbano, o Arafat, em 1981, e escreveu o livro ” Os palestinos”Judeus da 3 Guerra Mundial; entre outros livros temos tambem a ” A mão esquerda” que ganhou o premio Jabuti em 1997, e o meu preferido que deveria ir para as escolas, “Sandra na terra do antes”…realmente tivemos uma grande perda literaria…

  2. Fui ao velório, mas não tive coragem de ir à missa de 7º dia do Fausto,hoje, dia 11/09, porque estou deprimida demais com o falecimento dele. O Fausto deixa uma grande saudade e um enorme vácuo atrás de si. Espero que as pessoas que gostavam dele e apreciavam seus livros, mantenham vivo o seu espírito lúcido e combativo.

  3. Sempre fui muito fã do Fausto Wolff, o Faustão que valia a pena. E tenho aqui livros dele que estou sempre relendo, como "A imprensa livre de Fausto Wolff", "A Mão Esquerda", "Olympia" e outros títulos!

    Como faz falta o nosso velho lobo…

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